Fiquei com 3 dólares no bolso
Assim como em muitos países da África, no Sudão do Sul não há caixas eletrônicos para saques internacionais. Quando estava trabalhando escrevendo reportagens sobre o país, decidi ficar alguns dias a mais na região para entrevistar mais pessoas e melhorar o material que estava preparando.
O problema é que fiz a viagem contando com dinheiro que receberia periodicamente do Brasil. Mas na hora de fazerem a remessa, adivinhe, não encontraram o Sudão do Sul no sistema bancário. Simplesmente não havia o país no sistema. Nesse momento eu estava ilhada. E com três dólares no bolso.
Perguntei a amigos sírios e libaneses, que conheci em uma espécie de cartório onde os estrangeiros precisam se registrar, sobre como eles recebiam dinheiro do exterior. Pensei que deveriam conhecer alguma maneira engenhosamente estratégica, já que investiam em negócios ali.
A resposta foi desenganadora. “Não há como ter dinheiro neste fim de mundo, a não ser que você mesmo traga”, disse um deles.
Um outro amigo foi claro. “Neste inferno? Impossível. Vá para outro país e pegue o dinheiro lá.”
Esse era o problema, não havia dinheiro sequer para chegar até fronteira do inferno.
Saí em busca de uma solução, lembrando do início da viagem e do que um amigo na Etiópia me dizia:
“Deixe Deus estar com você”. Haveria uma solução. Ele não falava exatamente sobre religião, mas sobre permitir que algumas situações saiam do controle, confiando de que tudo sairá bem por fim.
Ao final desse mesmo dia, encontrei os rapazes novamente. Comiam, fumavam, conversavam, xingavam o Sudão do Sul. Dois deles me chamaram em um canto. “Isso aqui é para você. Sentiremos sua falta.” E me entregaram duas notas de 50 dólares. A conta exata para atingir o outro lado da fronteira, chegar em Uganda e finalmente sacar dinheiro. Sem comida, sem nada.
Pela noite, nos despedimos com sobrepeso no peito. Partiria na manhã seguinte. Mais amigos para trás. Fomos para o carro. Na saída, um outro amigo me cumprimentou. “Sentiremos saudades”, disse, e deixou escorregar para minha mão um papel enrolado. Sem luz em toda a cidade, não consegui ver o que era. Ao entrar no carro, acendi a lanterna que trazia na mochila. Era uma nota de 100 dólares.
Já na porta da casa onde me hospedei no Sudão do Sul, outro amigo do mesmo grupo me levou até lá e levantou-se do carro assim que chegamos. Presenteou-me com um último abraço, nos cumprimentamos com a mão e ele disse: “Acho que eles só te deram dólares, você vai precisar disso”, e passou alguns papeizinhos enrolados. Era papéis de dinheiro na moeda local.
Certamente eram anjos. E Deus estava comigo.
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