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Maria Rita Quemello

Deficiência Visual: Blogueira viaja sozinha pelo mundo com sua cadela-guia



Adaptação, preconceito e luta por direitos básicos compõem o dia a dia de alguém que vive com deficiência. Os desafios, no entanto, podem ser singulares quando uma pessoa com deficiência visual se propõe a viajar sozinha pelo mundo.


Por isso, o Passaporte Acessível entrevistou Mellina Hernandes Reis (@4pataspelomundoficial). Mel, que tem uma deficiência visual desde os 14 anos, criou o Blog 4 Patas pelo Mundo em novembro de 2016. Hoje com 38 anos, a blogueira compartilha sobre suas experiencias de viagem ao lado de Hilary, sua cadela-guia, nas suas redes sociais.


A paulistana é formada em Turismo e foi diagnosticada durante sua adolescência com uma degeneração na retina chamada distrofia de cones e bastonetes. A doença fez com que ela perdesse parte da visão central (responsável pelo foco).


Com o passar do tempo, a influenciadora foi perdendo gradualmente a capacidade de enxergar e, após um diagnóstico de catarata em 2011 que agravou sua condição, Mel passou a contar com apenas 3% da visão.


Mellina conta que, quando a perda visual se intensificou, seu principal desafio foi a própria aceitação. Ela questionava porque essas mudanças estavam acontecendo com ela e pensou que ficaria dependente de outras pessoas. “Eu sofri muito quando precisei encarar o fato de que eu era uma pessoa com deficiência. Senti vergonha de ter que fazer o uso da bengala e escutava muito comentários preconceituosos".


Sobre o capacitismo - o preconceito contra as pessoas com deficiência, a blogueira citou alguns comentários ofensivos que já foram direcionados a ela. "As pessoas já me perguntaram como meus pais me deixam sair sozinha de casa, ou me diziam que era uma pena uma moça tão bonita não enxergar. Algumas faziam comentários perto de mim, achando que eu não escutaria. Embora eu não enxergue, eu escuto bem”, brincou Mel.



4 Patas pelo Mundo



A Paulistana, que é apaixonada por viagem, vivenciou pela primeira vez a experiência de viajar sozinha em 2008. Nessa época, Mel contava com 25% da visão. A influenciadora entrou em um avião com destino a Paris e incluiu Madrid e Grécia em seu roteiro, através de voos econômicos realizados dentro da Europa.


Esse foi apenas o começo das aventuras de Mellina. No início era apenas ela, porém mais tarde, a viajante contaria com uma companhia dócil e de quatro patas.


E foi a paixão pelo turismo, uma deficiência visual, a companhia de uma cadela-guia e diversas viagens cheias de histórias e momentos marcantes que deram vida ao 4 Patas pelo Mundo. É através desse blog, redes socias e canal no Youtube que Mel compartilha as histórias da dupla.



A chegada De Hilary



Hilary chegou na vida de Mellina em março de 2014. A labradora preta, passou a ser os olhos de Mel. “Ela me trouxe muito mais autonomia e melhorou minha autoestima. Não tenho mais receio de ir a algum lugar novo sozinha”, conta a influenciadora.


Foram quatro anos de espera até a chegada de Hilary. Foi através do Projeto Cão-Guia, do Sesi São Paulo em parceria com o Instituto IRIS, que a cadela chegou até Mellina.


“O projeto contemplou nove deficientes visuais, fomos divididos em duas turmas. Ficamos 15 dias hospedados em um hotel para a primeira fase de adaptação. Nessa etapa são dias bem intensos de treinamento, pois precisamos aprender a 'enxergar' com os olhos dos cães e aprender a ser guiado por eles. Também aprendemos a usar a guia (arreio), e os comandos.”


Mel conta que o cão precisa se adaptar com a pessoa com deficiência e vice-versa. “Parece ser fácil, mas não é, pois existem vários sentimentos envolvidos e nessa etapa muitas pessoas acabam desistindo. Confesso que pensei em desistir depois que voltei para casa, ainda bem que sou persistente e continuei insistindo.”


Quando chegou a hora de voltar para casa, Mel conta que sentiu certo nervosismo, pois sabia que, a partir daquele momento, sua rotina mudaria por completo. No início ela chegou a pensar que a cadela nunca fosse gostar dela “sempre que ia fazer carinho ela virava, tirava a cabeça, nem ligava para mim. Eu ficava triste com a situação, mas aos poucos fui conquistando ela”.


Dentre as dificuldades do começo, a blogueira lembra que Hilary andava muito rápido e, como ainda não confiava em sua nova cadela-guia, sentia muito medo de bater em alguma coisa, por isso, ficava tensa e tentava reduzir a velocidade. “Meu braço esquerdo ficou até mais musculoso”, brinca Mellina. O cão guia anda sempre ao lado esquerdo da pessoa.




Direito a livre acesso


É importante lembrar que o cão-guia tem livre acesso em todos os ambientes, sem restrições, incluindo restaurantes, escolas, hotéis, transportes e até hospitais (exceto UTI e centro de queimados), sejam eles púbicos ou privados.


Esse direito é assegurado pela lei nº 11.126. Mesmo assim, Mel relata que, tanto ela quanto outras pessoas que possuem auxílio de cão-guia, muitas vezes são barrados ao tentarem entrar em alguns locais.


Inclusive, para realizar essa reportagem, a blogueira passou por uma situação desagradável . As funcionárias do local onde a entrevista foi realizada desconheciam a lei, e demonstraram certa resistência em permitir a permanência de Hilary no local (você pode conferir esse relato completo clicando aqui)




A paulistana afirma que passou por diversas situações parecidas como essa, dentro e fora do Brasil. “Quando viajei para Paraty (RJ), enfrentei muitas dificuldades por falta de acessibilidade. Uma delas foi durante o passeio para Trindade. Consegui pegar um ônibus comum de linha que me levou até o local, porém na hora da volta, um motorista, da mesma linha que utilizei para chegar em Trindade, não queria me deixar embarcar”.


Mel comenta que mesmo explicando sobre a necessidade da cadela-guia e enfatizando que está assegurada pela lei, ainda assim algumas pessoas se negam a permitirem a entrada da Hilary nos locais. “Da mesma forma que uma pessoa com deficiência precisa de uma cadeira de rodas ou uma bengala, por exemplo, eu preciso de um cão-guia para me auxiliar”.


Mellina diz que as pessoas confundem a cadela-guia com um pet comum, como se ela estivesse apenas passeando com um cachorro, e não recebendo um auxílio do qual ela depende para se locomover.


A blogueira contou que em Buenos Aires passou por mais dificuldades ainda, e que alguns donos de estabelecimentos diziam que independente da lei, quem manda no local é o dono, por isso cabe a eles decidirem.


Ainda em Buenos Aires, Mellina realizou um passeio para a cidade de Tigre, e no retorno para o hotel barraram a entrada dela e da Hilary no trem. Para acrescentar, tratava-se do último trem do dia e só depois de algumas horas de insistência, ela conseguiu convencer que os funcionários permitissem sua entrada.


Sobre a dificuldade que sempre enfrenta, Mel diz que não se prende a frequentar apenas lugares que oferecem algum tipo de acessibilidade. “Se eu fosse depender só de lugares que oferecem a acessibilidade que eu preciso para viajar ou passear, eu não iria para lugar nenhum. E eu sei que muitas pessoas deixam de sair dentro da própria cidade por não terem acessibilidade."


"A partir do momento que isso melhorar e as empresas, comércios e setor de turismo nos olhar como consumidores, se preocupando em deixar o atendimento, transporte e estabelecimento mais acessíveis, com certeza ganharia um público grande e fiel. Se eu estou em um lugar, sou bem atendida e tenho acessibilidade, eu sei que vou voltar lá, além de indicar para outras pessoas.”


Mel e Hilary já andaram em todos os meios de transportes possíveis (barco, avião, ônibus, trem, carro). “Para viajar ela embarca sempre comigo no avião e ônibus, viaja deitada nos meus pés sem incomodar ninguém”.


Mellina também deixa claro quais são as recomendações caso você encontre um cão-guia na rua. “Nunca brinque com ele, a não ser que o dono autorize, não é porque somos chatos, mas ao distrair, o cão pode nos deixar em alguma situação de perigo. Ele precisa estar sempre concentrado ao nos guiar”, alerta Mel.



Aposentadoria da Cadela-Guia




Os dias de cadela-guia de Hilary estão contados! Mellina explica que por volta dos dez anos, o cão deve ser aposentado do trabalho, se tornando um pet comum.


Não que a vida de um cão-guia seja resumida apenas ao trabalho, pois nos momentos de lazer, em casa, eles são tratados normalmente e com muito amor, carinho e respeito.


Por isso, esse ano Hilary, que está acompanhando Mellina há 8 anos (a cadela já tinha dois anos quando foi entregue para Mel), irá se aposentar e passará a desfrutar apenas de passeios sem a preocupação de guiar sua tutora.



Segredos de Viagem


Especialista no assunto, a blogueira compartilha algumas atitudes adotadas por ela para que suas viagens sejam mais tranquilas. Uma delas é levar sempre dois carregadores portáteis para evitar ficar sem bateria.


No caso dela, ter acesso constante ao aparelho celular é decisivo, já que se trata de um recurso que lhe auxilia a chegar a diferentes lugares. A blogueira utiliza o leitor de tela do próprio telefone para facilitar o uso.


Mel contou que não liga nos lugares antes da viagem para se informar sobre acessibilidade ou avisar sobre o cão guia. “Isso cria uma barreira, é melhor chegar na hora com a Hilary. Assim eles não colocam nenhum empecilho antes que eu realize a reserva.”


Mellina terminou a entrevista com um apelo. “Falta representação na mídia e quando ela existe, é estereotipada. Existe o deficiente aparente e o não aparente. Uma pessoa com deficiência visual não se resume a uma pessoa de óculos e bengala, há muitas variações, isso é preconceito!"






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