Muleta quebrada em Londres
Era meu primeiro dia em Londres e a adivinha qual foi a primeira atração turística que fui conhecer? O Palácio de Buckingham, claro. Aquele mesmo onde a rainha mora.
Pois bem, cheguei lá no auge do inverno e para essa goiana que vos fala - ou escreve, a grande alegria era poder usar um sobretudo e óculos escuros ao mesmo tempo. Sim, porque no inverno londrino, mesmo que haja sol, continuará muito frio.
Mal havia colocado o pé e as muletas no asfalto da rua mais próxima ao palácio, quando pisei em falso com a única perna que utilizo de apoio. Para evitar a queda, usei toda a força que tenho nos braços para me equilibrar sobre as muletas. Foi então que uma delas se rompeu bem na altura do antebraço. Ou seja, queda inevitável.
Minha primeira reação foi olhar para os lados. Primeiro, para checar quem havia visto tal cena desoladora. Segundo, para pedir ajuda mesmo. A frieza dos londrinos sempre foi algo apontada por muitos brasileiros. De fato, de longe algumas pessoas olharam e sequer ofereceram ajuda. Ao contrário do que acontece no Brasil onde, após uma queda, surgem das forças ocultas serem humanos de todos os lados prontos para me reerguerem das maneiras mais desajeitadas possíveis.
Bem, eis que haviam dois homens trabalhando em uma pequena obra ao lado. Eles me olharam e eu, já um tanto quanto desesperada ao ver a muleta partida, gritei por ajuda. Eles me levantaram acharam que estava tudo bem e já foram saindo. Mas nem eu mesma contava que seria impossível caminhar com a muleta do jeito que ela estava. O apoio nos dois antebraços são imprescindíveis para que eu consiga dar um passo a minha frente. Ora, se não fossem importantes eu poderia andar de bengalas e não de muletas.
Por isso, pedi sem saber ao certo se era a melhor opção, que me ajudassem a pegar um táxi. Apoiei nos ombros dos dois rapazes e fomos até um pouco mais próximos da rua esperar o primeiro veículo que passasse.
Imagine só você em uma situação tão embaraçosa quanto estar apoiando nos ombros de dois homens desconhecidos, com uma de suas muletas quebradas tentado pedir um táxi nas ruas que são de mão inglesa. Ou seja, tudo ao contrário. Minha cabeça já estava ficando de cabeça para baixo.
Mais ágeis do que eu, os rapazes viram ao longe um táxi. Atravessamos a rua e me despedi agradecendo a ajuda. Quando entrei no carro - para minha sorte sabia como falar “muletas” em inglês - só pedi para que ele encontrasse uma loja que vendesse uma.
Ele demorou a processar a informação - afinal de contas, quantas pessoas sabem de cabeça o endereço de alguma loja de material ortopédico?
Minha sorte começou a virar e o motorista pensou em uma possibilidade de caminho. Até lá, contei pra ele como tinham sido meus primeiros minutos nada glamurosos na cidade da realeza.
Não precisamos andar por horas para ele avistar, de repente, uma loja. Ele parou logo em frente, em uma rua em que não podia estacionar e chamou dois funcionários do dito estabelecimento que estavam logo na porta. Ali me senti naqueles pit stops de corrida de fórmula 1. De dentro do carro mesmo, o motorista explicou em uma ou duas frases que a coisa tava feia e que eu precisaria de ajuda e que ele não poderia parar por muito tempo ali, caso contrário seria multado (e em libras, pensei).
Os dois funcionários vieram na mais alta velocidade. Um abriu a porta do carro. O outro já veio com uma cadeira de rodas. Um me ajudou a transferir para a cadeira e o outro fechou a porta do carro. Tudo muito rápido para preservar a CNH do motorista. Quando finalmente me alojei, lembrei de súbito: ainda precisava pagar o taxista! Chamei ele que se preparava para sair e perguntei quando havia ficado a corrida. Ele respondeu, que estava tudo bem, em um sinal de que não me cobraria nada por ter me salvado. E saiu sorrindo.
Não acaba aí
Finalmente dentro da loja de muletas mais requintada que já havia visto em minha vida, começaram a me apresentar as diferentes opções de muletas que estavam à minha disposição. Foi então que me dei conta de que aquele atendimento de pit stop de fórmula 1 me custaria caro.
A loja não contava com inúmeros variedades muletas de alumínio, madeira ou qualquer material simplório que já havia utilizado. A primeira opção que me apresentaram foi nada menos do que uma muleta de…. titânio! Claro que elas saltaram aos meus olhos até que o vendedor declarou seu valor, algumas centenas de libras!
Ora, nem em meus sonhos de princesa imaginei que precisaria de uma muleta que custaria o que era, na época, cerca 500 reais (no Brasil o máximo que já paguei por um par de companheiras inseparáveis foi 120 reais).
Eram lindas e resistentes, claro. Mas, por favor, me tragam a próxima opção. E não paravam de surgir muletas sofisticadas e, claro, caras. Perguntei então se não teriam algo, como posso explicar … mais em conta.
Restou-me um par de muletas vermelhas, que diferente do modelo com o qual já me adaptei, tem o apoio superior fechado. Explico a diferença na figura abaixo.
Na primeira imagem, eis o modelo novo. Nas segunda imagem, o modelo que utilizo
Ou seja, para tirar e colocar o braço na muleta é preciso fazer com que seu braço passe pelo “buraco” que se forma em cima. Isso para quem já está acostumado com o outro "modus operandi” de sempre encaixar o braço pela lateral, pode ser um problema, principalmente considerando que eu estavam em meio a uma viagem e, talvez pudesse precisar agir rápido em alguma situação. Mas não tive outra escolha. Era o modelo mais barato e comprar muletas em libras definitivamente não estava nos meus planos (claro que agora isso passa a integrar meu checklist de viagem - ao menos checar a validade delas - sim, elas têm validade e a que quebrou já estava vencida. É claro que eu só descobri isso, nesse dia).
Levei o par de muletas vermelhas com o suporte para antebraço fechado. Era o que restava. Sai da loja ao menos aliviada por ter resolvido tudo isso. Agora sim, poderia continuar.
Ainda não resolvi
Me dirigi até o metrô mais próximo e começaram os problemas. Quando vou descer uma escada rolante, percebo que o jogo que faço utilizando as muletas começou a ficar inviável. (Por motivos de claustrofobia não diagnosticada evito utilizar elevadores de lugares como metrôs ou terminais rodoviários mais antigos ou muito vazios porque sempre acho que posso ficar presa e ninguém vai me ouvir para me socorrer.)
Isso porque, para descer uma escada rolante, rapidamente solto a muleta da direita, seguro ela com a mão esquerda. E, agora que uma das mãos ficou livre, uso ela para apoiar no corrimão e impulsionar o corpo, subindo assim, no primeiro degrau da escada. Após ter o corpo estabilizado, pego de volta a muleta e espero chegar a hora de sair da escada. Fim.
É aí que estava o problema. Como preciso trocar a muleta de mãos rapidamente ao descer ou subir uma escada rolante, esse jogo ficou muito mais difícil com o novo modelo.
Resultado, depois de ter quase caído no meio de uma estação de metrô ao quase perder o equilíbrio no meio de uma escada rolante. Decidi tomar uma medida.
Eu não podia comprar mais uma muleta nova. Mas eu podia adaptar minha nova muleta!
No caminho de volta para a casa onde estava me hospedando, achei minha gloriosa solução: uma obra! Sim, estavam reformando uma das principais estações de metrô de Londres, a Victoria Station. E foi lá mesmo que encontrei a solução.
Pedi para que um dos pedreiros que trabalhavam até tarde (sim, essa saga me custou o dia todo), que me ajudasse na tarefa. Eu iria serrar a muleta fazendo com que o apoio ficasse aberto, em um formato mais parecido com a muleta antiga.
Dois homens que trabalhavam na obra riram bastante do meu perrengue e, de bom humor, decidiram me ajudar. Fizemos a marcação com lápis no local que deveria ser serrado. Um deles foi buscar uma serra manual e ali começamos o trabalho.
De fato, a muleta era de tamanha qualidade que destruiu a serra do moço (fiquei com vergonha, mas né, fazer o que?) O outro então foi buscar uma arma mais robusta. Voltou com uma serra ainda maior. Agora sim, muletas serradas, prontas para me fazerem transpor escadas.
Ainda faltam ajustes
Muletas devidamente serradas, outro problema surgiu. A serra deixou o plástico do apoio cheio de farpas. Como estávamos em pleno inverno inglês, me entupia de casacos e essas farpas ficavam rasgando o sobretudo.
Eis minha gambiarra: uma admirável… fita isolante.
E, por fim, tivemos essa linda muleta vermelha, adquirida em alguma sofisticada loja do centro de Londres, serrada por um pedreiro londrino, com fita isolante preta.
Agora sim, fim.
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